27 de fev. de 2013

Uma Rua Chamada Pecado - A Streetcar Named Desire (Elia Kazan - 1951) (Spoilers!)


Nota: 5/5.

     É quase um dever meu indicar esse filme aqui, indispensável a todos que gostam de atuações e histórias extremas e dramáticas. Pelos nomes estampados no cartaz, creio que apresentações seriam desnecessárias, tanto o Brando como a Vivien Leigh deixaram um legado artístico inegável na história do cinema, e esse filme especificamente, é um marco na carreira deles. Eu, particularmente, já sabia da fama do Marlon Brando (quem não sabe?), por isso não fiquei tão surpresa pela performance extraordiária dele como o machista e beberrão, Stanley Kowalski, mas sim fiquei chocada com a atuação da Vivien Leigh. Já assisti à "..E o vento levou" (onde ela também está incrível como a eterna sulista geniosa, Scarlett O'Hara), mas neste, ela beira o limite entre realidade/ficção, incorpora completamente o papel da Blanche DuBois, tão feminina e supostamente inocente. Facilmente uma das atuações mais perfeitas que eu já tive o prazer de assistir.
     A história se passa em New Orleans, no início da década de 50: Blanche DuBois, que alegadamente tirou uns tempos de folga da escola onde trabalha, vai ficar por uns tempos com a sua irmã, Stella Kowalski. Quando chega lá, encontra a irmã morando em um lugar no mínimo, duvidoso, e casada com um brutamontes "polaco", Stanley Kowalski, quando não trabalha na fábrica, ele ocupa seu tempo jogando boliche ou pôquer, além de beber, xingar e destratar pessoas alheias com a mesma facilidade.
Blanche fica chocada com aquela personalidade tão oposta a sua, não entendendo como a sua irmã foi acabar casando com um homem daqueles (mais tarde ela descobre que é justamente esse o motivo que levou Stella a se atrair por Stanley) e desde o início, os dois já entram em conflito. Primeiramente, por conta de uns papeis da ex-propriedade da família DuBois, depois, por Blanche ter tantos vestidos e joias caras, quando diz ser pobre, mas principalmente por ele desconfiar da personalidade da cunhada: para ele, ela é dramática e cerimoniosa demais.
     Uma das coisas interessantes sobre a Blanche é que ela detesta dizer a sua idade verdadeira, pois é solteira e já passou dos 30 anos, o que na época era indicativo de que a mulher ficaria "pra titia". Ela também não suporta ficar perto de qualquer luz, algo que pode significar essa recusa de se mostrar de verdade, se escondendo sempre atrás de pretextos e retóricas.
     Ao passo que os conflitos continuam, Blanche se envolve com um dos amigos de Stanley, Mitch, que parece ser um "bom partido" para ela, mas o romance acaba não dando certo porque Kowalski descobre os grandes segredos de Blanche, o que representa um ponto de virada no filme. Na cidade que morava anteriormente, Blanche era conhecida por sua promiscuidade, se envolvendo com um homem atrás do outro, até mesmo com um jovem que era seu aluno na escola, além de frequentar lugares que eram mal falados, resumindo, tinha uma péssima fama na cidadezinha, motivo esse pelo qual ela resolveu sair de lá e procurar novos ares. Isso tudo é um escândalo para todos os envolvidos, Kowalski passa a tratá-la de maneira mais humilhante ainda, além de ser abandonada pelo novo "namorado". Como um mecanismo de defesa, Blanche acaba perdendo um pouco da sanidade e passa a inventar histórias, dizendo que um antigo admirador lhe convidou para viajar de cruzeiro ao Caribe. Aliás, isso é uma das coisas mais interessantes sobre a personagem, como ela mesma disse: "I don't want realism, I want magic!", como a realidade se tornou, há muito tempo, tão insuportável e diferente do que ela planejava, ela prefere ficar protegida na escuridão, nas mentiras, nas ilusões, nos subterfúgios, nas fantasias com vestidos caros e peles de raposa dados por seus vários admiradores, um mundo onde ela é uma mulher inocente que acabou sendo vítima do azar do destino, mas que ainda se conserva imune e superior a tudo isso, no topo de tudo, como uma rainha.
     Essa sua fantasia quase psicótica, obviamente atrapalha qualquer relação que ela queira estabelecer, e após uma discussão com Stanley, no qual ele acaba por abusar sexualmente dela, no fim ela acaba sendo internada em uma instituição psiquiátrica, provavelmente denunciada por Kowalski, ao passo que sua irmã Stella decide se separar dele.
     A análise dessa história rende muitos assuntos. A questão de gênero presente, é um dos pontos principais. Como Blanche têm comportamentos e desejos reprováveis justamente porque é mulher, ela é desprezada e humilhada por não ser uma moça bem comportada que segue a moral e os bons costumes da época, o que para certos homens pode parecer como um convite à todos os tipos de violação, inclusive sexual. Pois seria algo completamente diferente se um homem fizesse o que ela fez, mudando constantemente de mulher para mulher, frequentando lugares duvidosos, ele seria desculpado por ser algo natural do seu gênero, e ainda seria considerado um homem honrado e digno de se casar com uma moça direita. Isso remete a um dos diálogos finais entre Mitch e Blanche:

Mitch - Eu pensei que você fosse direita!
Blanche - Direita? o que é direito? uma linha pode ser direita, ou uma rua...mas o coração de um ser humano?

     Outra coisa interessante é que nessa história não existem herois ou vilões, como na vida real, as pessoas não se resumem a ações, elas possuem várias facetas cheias de ambiguidades, assim como Blanche não é completamente inocente, Stanley não é completamente mau.
     Enfim, trata-se de mais uma adaptação maravilhosa do Elia Kazan, que além de ser um ótimo melodrama com atuações incríveis, ainda se mistura com questões sociais presentes na época. Mais do que recomendado! Foi com esse filme que me apaixonei pela Vivien Leigh, uma das maiores atrizes que Hollywood já viu, acho que eu poderia ouvir a Blanche falando o dia inteiro, com aquele sotaque sulista indolente e arrastado...






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